Descaso

Butiá das Camélias (tapes): feio não é bonito

Fotografia e reportagem: Luciane Godinho

A música da Nara Leão Feio não é bonito cai como uma luva para a Comunidade de Butiá das Camélias: chora, mas chora rindo/porque é valente/ e nunca se deixa quebrar.  Parte dos moradores vivia há anos a catar no Lixão das Camélias,  interditado em cinco de abril, por não haver outra oportundade de trabalho. Vivem em submoradias irregulares,à beira de uma estrada sem sinalização, onde passam carros em alta velocidade,  não têm acesso ao transporte público e sofrem com a falta d´água. Questionado sobre o transporte, o prefeito de Tapes, Sylvio Tejada, respondeu em entrevista gravada: “problema é deles”

“Eu não tenho nada a ver com essa água, é da Prefeitura”, adianta o morador Adelino Oliveira dos Santos, 76 anos. ”Eu apenas cuido”. As reclamações acabam recaindo sobre ele com relação à falta de água que acontece na Butiá das Camélias. A caixa d´água, construída para atender 80 famílias da comunidade, sendo cerca de 100 crianças, não dá conta da demanda e, além disso, o motor não tem força para levar a água nem à metade das casas.
 “Na última vez que a Prefeitura veio limpar a caixa, tiraram dois ratos mortos lá de dentro”, fala a Dorcelina Custódio, 73 anos.  Ela desmaiou no Banco, a “pegar sol nos cornos”, indo a pé das Camélias até o centro da cidade para receber a aposentadoria. “Não vou gastar dinheiro com táxi, se com ele posso comprar um pedaço de carne”. Ela vai à pé, cerca de duas vezes por semana, até o centro da cidade- 14 quilômetros em média, entre ida e volta. “Saio às 7h da manhã de casa, dou uma parada na casa do filho, que fica quase a meio do caminho, e chego antes dos bancos abrirem”, conta.
Noeli Assis Seixas, que reside ao lado do lixão das Camélias, e o irmão, João, cedem os poços para algumas famílias se servirem de água nos locais onde a bomba da caixa não dá conta de chegar. “Não somos sócios da CEEE para ligar motor a toda hora”, reclama. “Mas não passam sede, porque têm os vizinhos”. Ela diz que participou do abaixo-assinado para abrirem o poço: “meu nome está lá”.
Segundo Adelino, mesmo a manutenção da caixa que funciona de forma insuficiente está por conta dele. “Se estoura uma mangueira, correia, se há necessidade de óleo, é tudo comigo”, desabafa. “Não recebo um pila”. O motor, explica, não coloca 20 litros de água em uma hora- em duas horas já não há mais água. “Fizeram um poço, gastaram montes de dinheiro e está lá abandonado há três anos- 110 metros de fundura e água mineral- de certo, por isso não querem ligar”, protesta. Quanto ao fato da água ser mineral ou estar contaminada ou não, devido ao Lixão das Camélias, conforme denúncia de Os Verdes de Tapes, nunca foi feito qualquer exame da água, junto à FEPAM. “Eles mesmo disseram, quando abriram o poço: que água linda, bem azulzinha”, conta Marisete dos Santos, 26 anos.
O poço artesiano foi construído com recursos do Departamento de Comandos Mecanizados estadual, assim como outro na localidade de Capivaras, somando R$ 32 mil. Segundo o assessor de Projetos do Gabinete do Prefeito, Francisco Moreira, a prefeitura pleiteou, junto à Funasa, o recurso de R$ 80 mil para as redes de distribuição, em agosto de 2007. O prazo expirou em 2009, o município não foi selecionado e, desde então, disse Franscisco, “não houve mais tentativas”.
Certo é que os moradores, atualmente, além de estarem consumido uma água com decomposição de ratos, ainda têm nela “bolas de óleo” do motor e limo. “Para lavar a roupa, temos que cuar a água”, diz a moradora Luciane Conceição dos Passos, 16 anos, casada. Quando é possível, porque muitas vezes ficam três dias sem conseguir lavar a roupa. “Foi levado para prefeito um litro de água com o óleo e ele não fez nada”, conta Elisângela Oliveira, 28 anos.
No verão, quando não há água, o jeito é tomar banho nos açudes, como faz Loreno Alves da Silva, 47, entre outros. Difícil fica para as mães, que no verão, sofrem ao terem os filhos com vômitos e diarréia, devido ao estado da água - o que passou Vitor Daniel, com menos de um ano, filho de Débora Cristiane da Cruz, 19 anos. “Até os cães passam sede aqui”, diz. Ruim mesmo é quando o marido vai de bicicleta para o trabalho e não há como sair da localidade. “Depois o Conselho Tutelar vem para cima da gente”, chateia-se Marisete.


Adelino: “Pelo amor de deus, têm que vir arrumar, uma criança às vezes precisa de água e tem-se que ir longe buscar”




Marisete, junto ao poço, com a mãe e o filho menor: “Não tenho vergonha de dizer que às vezes não tenho água nem para dar banho nas crianças ou para fazer comida”



Débora: “Muita coisa se achava no lixo- colcha, lençol, toalha. A gente lavava, quando tinha água, quando não tinha não lavava. Muitas vezes, íamos ao lixo e já tomávamos banho de açude”



Adriana dos Passos, 38 anos, mãe de sete filhos, é uma das que utilizam o poço do vizinho João. “A gente pega água de balde e vira homem para puxar aquela tampa de concreto”, diz

Assistência Social
Há uma mulher, que não se identifica, a fazer caridade em Butiá das Camélias. Ela dá, mensalmente, rancho para 14 famílias. Não sabem qual o critério adotado, mas sabe-se que dá preferência a famílias com filhos. E outros organizam sopões no inverno ou almoços em datas festivas. Quinta sim outra não, as moradoras das Camélias têm reunião com as assistentes sociais da Prefeitura. “Antes a gente ganhava rancho, mas depois pararam”, diz Débora. “Ganhávamos até fermento para fazer pão”.
Homem chora

Romildo

A morte da égua causou tristeza em toda família. "Era uma égua que, se eu pedia a pata, ela dava", lamentou  Romildo Lacerda Magalhães. Ele, esposa e os filhos estavam consternados, junto à cova do animal, no Butiá das Camélias.
Romildo trabalhou oito meses nos matos- cortando lenha, para juntar R$ 800 para comprar a égua e que morreu por não conseguir parir. "Era a única que eu tinha, só faltava falar", disse. "Nenhum dinheiro vale diante da morte de um bicho".


Dorcelina Benzedeira



Dona Dorcelina viu tirarem dois ratos mortos da caixa d’água que não tem estrutura para atender a comunidade

A morada de Dorcelina não tem nada a ver com grandes projetos, sonhados condomínios horizontais ou verticais ou moradias de alto standing. É uma casinha simples, de dois cômodos, feita de madeira com grandes frestas, com um banheiro sem chuveiro de água quente e uma patente sem descarga. Ela tem fogão, mas não tem botijão, por isso o que dá jeito mesmo é fogão à lenha. “Não peço nada a ninguém, antes ajudar que pedir aos outros”, diz. Enquanto as netas aproveitavam, inclusive comida vindas do Lixão das Camélias, ela se diz “nega luxenta”. “Não pego comida do lixo”, diz. “Só uma vez peguei um saco de feijão, mas estava fechado”.
Uma folha verde, quatros pedras de sal e quatro brasas é o que necessita dona Dorcelina para resolver quebrante ou mau olhado. “Eu benzo uma vez só e chegou”, garante. Ela também faz batizados em casa e benze terreiros. Ensina: coloca-se quatro brasinhas num copo d´água virgem e se tudo ir para o fundo, está com quebrante. “Quebrante vai com Deus e virgem Maria em nome do pai, do filho e do Espírito Santo. Em nome da Virgem Maria, vai embora para água da praia.” Vó e mãe de Dorcelina já eram benzedeiras.
Ela conta o procedimento que a mãe fazia para nervo rendido (mal jeito) ou quebradura: ao fazer a oração, a mãe ia fechando um paninho com agulha e linha, e depois o enterrava no portão de uma casa. “Nunca mais a pessoa sentia dor”, diz. Ao invés do galhinho de arruda, a mãe dela usava as pontas dos cabelos para benzer.

O banheiro não tem chuveiro, e a patente é sem descarga